Que será que fiz eu às pessoas? Que pedaço de mim, tão
desprezível, é capaz de as afetar desta forma? É a minha presença assim tão
incómoda? Haverá alguém neste mundo capaz de tolerar um espírito tão instável
como o meu?
O papel está molhado. Há muito tempo que isso não acontecia.
Há muito tempo que não havia papel. A tristeza, por muito má que seja, corre na
água salgada que alimenta as frases que escrevo. Não, não é a tinta. Isso é só
um acessório usado quando é preciso, e quando acaba toda a sua composição é
deitada fora, é lixo, inútil. Pelo menos a caneta é boa naquilo que faz, mesmo
sendo desprezada no final.
Como saber se o que fazemos está certo? Como se mesmo
fazendo-o com o nosso coração, somos apedrejados? Ele fica ferido, sofre em
silêncio. Como uma fénix numa gaiola, eu choro curando parte das feridas com as
lágrimas, na esperança que alguém veja a verdadeira beleza das minhas penas e a
capacidade que tenho para voar.
Voar. Imagino-me cair dos céus sem apoio. Cair e sentir a
queda. Sentir o medo. Esquecer. Sonho abrir as asas no final da queda. Acabo
por mergulhar num mar salgado que escorre como uma cascata, caindo como gotas
numa folha de papel.
Pobre caneta, mas como eu a invejo!